O que sei eu sobre a minha linha matrilinear? – Geração 9

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Isabel João filha de Isabel Gonçalves

Esta é a décima publicação na série sobre a minha linha matrilinear. A primeira publicação, onde expliquei o porquê desta série, pode ser lida aqui. Na publicação anterior mostrei que Maria Dias é filha de Isabel João (ver aqui). Aqui vou apresentar provas de que a minha sétima avó, Isabel João, é filha de Isabel Gonçalves.

A Isabel nasceu em Cairrão. Vou repetir: a Isabel nasceu em Cairrão. O conhecimento científico actual diz-nos que os humanos evoluíram em África e depois se expandiram para todo o mundo. Já começava a desconfiar que a minha linha matrilinear era uma excepção e que descendia de alguns humanos que apareceram magicamente no Albardo. Parece que não. Foi preciso chegarmos à nona geração, mas finalmente a linha saíu do Albardo.
Cairrão é uma aldeia que fica a menos de 5kms do Albardo. A linha saíu mas não foi para muito longe.

A Isabel João nasceu há 300 anos, em 1725. A Isabel não podia saber que já tinham existido dinossauros no mundo porque o primeiro só foi descoberto há 200 anos1. A Isabel também não sabia o que era um panda, um flamingo ou um ornitorrinco. Animais que actualmente qualquer pessoa da minha família sabe o que são. Qualquer pessoa que vive actualmente no Albardo ou em Cairrão, sabe mais sobre o mundo do que a Isabel alguma vez imaginou ser possível. O que leva à pergunta: o que é que as pessoas que viverão no Albardo e em Cairrão daqui a 300 anos saberão sobre o universo que eu não sei? Tal como a Isabel, não consigo imaginar. Será um outro “país estrangeiro”.

Mas voltemos ao “país” da Isabel, e voltemos à comida. Porque a comida sempre existiu e existirá em qualquer “país” e nos permite ver quão diferentes são os nossos ambientes.
Já vimos (aqui) que a Isabel não terá comido arroz. Este cereal é a espécie de planta responsável por providenciar mais calorias à humanidade actualmente. Em particular, os portugueses são os maiores consumidores de arroz da Europa, com um consumo médio anual de 16 quilos por pessoa, quatro vezes acima da média europeia.2 E no entanto, a Isabel nunca o deve ter visto.
Doze plantas são responsáveis por garantir 61% das calorias que a humanidade consome neste momento. Vamos olhar para mais algumas.

Origem das calorias consumidas na população mundial actualmente
(Fonte: The Pond Foundation)

A segunda espécie de planta que contribui mais calorias para alimentar a humanidade é outro cereal, o trigo. Podemos encontrá-lo no pão, no esparguete e noutras massas, nas pizzas e quiches, nos bolos e bolas, etc. Esta sim, é uma espécie que a Isabel conheceria bem. Quando em 1758, após o terremoto, o Marquês de Pombal manda fazer às paróquias de Portugal (Memórias Paroquiais de 1758), de Vila Garcia (freguesia a que pertence Cairrão), sobre o que lá se produz, vem esta resposta: centeio, muito vinho, algum trigo, milho míudo e grosso e linho3.
Lá está o trigo. Mas o cereal rei nesta freguesia e no concelho da Guarda era o centeio. O centeio é um cereal produzido em zonas de solos pobres. É um cereal mais robusto mas menos eficiente. Por ser menos eficiente não o vemos na lista de plantas que fornecem mais calorias à humanidade actualmente. E no entanto era o que a Isabel conhecia melhor.

A terceira planta que mais contribui é a cana-de-açúcar. Pertence à família das gramínias (que agora se chama Poaceae), tal como os dois cereais que vimos antes. O que seríamos nós sem esta família de plantas…
A cana-de-acúcar é domesticada há mais de 10.000 anos na ilha conhecida como Nova Guiné. A sua cultura vai-se expandindo pelas ilhas indonésias até à Ásia continental e depois para oeste, chegando ao Mediterrâneo entre os séc. VII e XI4. O açúcar era usado em medicamentos, para possibilitar o uso de substâncias intragáveis. Para além disso era um produto raro, um produto de luxo. No séc. XVIII começam-se a fazer grandes plantações nas Américas, que, à base de trabalho escravo, tornam este produto acessível à população em geral, a partir da transição do séc. XVIII para o XIX. A Isabel não viveu para ver esta transformação. Não deve ter tido contacto com o açúcar e muito menos com a cana-de-açúcar. O mais próximo que teria seria o mel. Era este que era usado para fazer um bolinho ou um pão adocicado de vez em quando.

A próxima espécie de planta mais importante é o milho. Mais um cereal!
O milho é a primeira da lista que foi domesticada nas Américas e só chega a Velho Mundo com os descobrimentos. A Isabel, que nasceu há 300 anos, vive num período de transição quando pensamos nesta planta. 300 anos antes do seu nascimento não existia milho na Europa. No inquérito do Marquês de Pombal vimos que em Vila Garcia já se produzia milho (chamam-no milho grosso). Devido à sua produtividade, o milho vem funcionar em Portugal (e também na Europa) como um boost de energia provocando um aumento da população onde se foi implantando.
“O principal fator a considerar parece residir no enorme aumento da produtividade por área de superfície, resultante da difusão do milho maíz ao longo do período considerado, a que mais tarde se chamou «revolução do milho». As zonas agrícolas que mais cresceram de finais do século XVI ao início do XIX foram precisamente aquelas – Minho e Centro litoral – onde o cultivo do milho amarelo aumentou de forma progressiva.”5, Nuno Gonçalo Monteiro.

A quinta espécie espécie que mais fornece calorias à humanidade é a soja. Esta é a primeira espécie da lista que não pertence à família das gramínias. Pertence a outra das famílias mais importantes para a humanidade, as leguminosas. As leguminosas são uma família espectacular porque conseguiram arranjar um mecanismo de produzir proteínas em maior quantidade. Por isso, trazem para mesa (literalmente) este importantíssimo macronutriente. A soja é importante a nível mundial, mas não era, nem é, a leguminosa mais importante para Portugal. As leguminosas mais importantes por cá são os diferentes feijões, o grão, as favas, as ervilhas, as lentilhas,… No inquérito de 1758, no concelho da Guarda, vemos referência à produção de feijão e grão. Estas são as leguminosas a que a Isabel deveria estar mais habituada. E nesse aspecto temos outro ponto de contacto.

Com estas cinco espécies temos já contabilizadas mais de 50% das calorias que sustentam a humanidade actualmente. Destas a Isabel conheceria apenas uma, o trigo.

A Isabel João nasceu há 300 anos, em 1725. Casa em 1746 (21 anos) com um moço do Albardo, exactamente 230 anos antes do casamento da minha mãe, sua sexta neta. Cinco dias depois do seu vigésimo quarto aniversário tem a filha Maria, de quem falámos na última publicação. Passados três anos morre. É, nesta linha e até ao momento, a mulher a morrer mais nova.

Voltando à questão nos traz aqui. Queremos mostrar que a Isabel João é filha da Isabel Gonçalves. Vejamos então as evidências para esta ligação.

Evidência documental

Comecemos pelo registo de baptismo da Maria6, filha da Isabel João, que vimos na última publicação.

Registo de baptismo da filha Maria

Nele podemos ver que a Isabel João é filha de “Matias João natural da Quinta da Merouta freguesia de Pousade, e de Isabel Gonçalves natural de Cairrão freguesia de Vila Garcia…” (linhas 16 a 20). Esta informação permite encontrar o registo de baptismo da Isabel7 que corrobora todas as informações já referidas.

Registo de baptismo da Isabel (riscado)

Por alguma razão que não consigo perceber, este registo foi riscado. Na margem esquerda podemos ler “fica carregado no livro novo a folha 17”. E lá conseguimos encontrar o registo8 com a mesma informação.

Novo registo de baptismo da Isabel

Em qualquer dos registos podemos ler a partir da terceira linha: Isabel filha de Matias João e de sua mulher Isabel Gonçalves.

No registo de casamento9 da Isabel João temos a mesma informação sobre os seus pais.

Excerto do registo de casamento da Isabel João

Podemos então concluir que a Isabel João é filha da Isabel Gonçalves.

Evidência genética

Não temos testes autossómicos que confirmem esta ligação.

Conclusão

Provas documentais suficientes foram reunidas que mostram que Isabel João é filha de Isabel Gonçalves. Nenhuma prova foi encontrada do contrário. Não existe prova genética autossómica desta ligação.

Esquema das ligações já apresentadas

As provas apresentadas são públicas e podem ser consultadas online nos livros indicados.

Próxima publicação: Geração 10 – Isabel Gonçalves

  1. O primeiro dinossauro foi descoberto em 1824. Foi chamado de Megalosaurus. ↩︎
  2. Valagão, Maria Manuela (2024) Património Alimentar de Portugal, Fundação Francisco Manuel dos Santos ↩︎
  3. Guarda. Das origens à atualidade. Parte II. p. 468 ↩︎
  4. https://ensina.rtp.pt/artigo/a-historia-do-acucar/ ↩︎
  5. História Social Contemporânea – Portugal 1808-2000, Org. António Costa Pinto e Nuno Gonçalo Monteiro, Fundação Mapfre. p. 24 ↩︎
  6. ADGRD, Vila Fernando (Guarda), Baptismos 1746-1752, fl. 74v, img. 76 ↩︎
  7. ADGRD, Vila Garcia (Guarda), Mistos 1701-1745, fl. 179v, img. 184 ↩︎
  8. ADGRD, Vila Garcia (Guarda), Baptismos 1725-1745, fl. 17, img. 18 ↩︎
  9. ADGRD, Vila Garcia (Guarda), Mistos 1744-1763, fl. 66v, img. 68 ↩︎

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